terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O que é uma "mulher trans"?


O que é ser uma mulher trans do ponto de vista da realidade, saindo do discurso pessoal?
 Em primeiro lugar devemos perceber o que é que um ser que foi identificado no nascimento como um menino aprendeu sobre o que é ser mulher. Porquê?

Do ponto de vista da realidade o que são pensamentos e sentimentos? Temos sensações fisiológicas e uma representação mental da realidade mas essas coisas só tomam formas e ganham nome através da socialização, da linguagem, dos valores culturais. Assim, não existe se sentir feliz ou triste exceto pelo conjunto de sensações que uma determinada cultura define como felicidade ou tristeza. Igualmente não existe se sentir mulher exceto pelo que uma sociedade ensina que é o ser mulher.

Voltando ao ponto inicial então, o garoto é socializado como homem e portanto ouve como qualquer homem sobre o que é ser uma mulher. O ser socializado como homem compreende, apreende, introjeta o conceito de mulher do ponto de vista do opressor, do diferente, do ser que tem direito sobre a mulher. Assim qualquer representação de transexualidade é obrigatoriamente uma representação misógina da mulher. A transexualidade feminina envolve um homem, opressor, que se identifica com o desejo que ele deposita no oprimido e com a admiração e o reconhecimento que ele tem do opressor.

A mulher trans é o homem que reconhece o homem como apto a ser dono da mulher e que portanto encarna isso ao se identificar com a mulher. Isso se dá em duas situações distintas que se desenvolvem dessa mesma base:
- A mulher trans heterossexual, ou, o homem gay, que reconhecedor do homem como possuidor da mulher entende que deve se destituir da identidade masculina e se vestir da identidade feminina para ser possuído por um homem, assim legitimando a supremacia do homem sobre a mulher e mantendo a supremacia masculina intacta, visto que é uma mulher se submetendo a um homem e não um homem se submetendo a outro.
- A mulher trans homossexual, ou, o homem hetero, que investe sua libido narcisicamente encarnando seu objeto de desejo e tornando sua fantasia de tomar duas (ou mais) mulheres uma realidade sendo ele de fato um terceiro participante do envolvimento sexual como entidade simbólica. Assim a mulher que ele é, é na verdade a mulher que ele deseja.

Fora do ambiente da sexualidade ainda é necessário de falar de outros aspectos sociais do que é ser mulher e de como o homem percebe a mulher e portanto o leva a se identificar com ela. O homem destituído de sua virilidade em momentos chave da sua construção de identidade ou homens que de alguma forma romantizam a diferença entre o homem e a mulher tendem também a se identificar com o feminino em diversos níveis, atingindo ultimamente a transexualidade, exatamente por não viverem a experiência da opressão feminina na pele e enxergar somente a propaganda que o patriarcado faz do que é a mulher, o feminino, a feminilidade. Esses homens performam uma fantasia glamurosa do que é ser feminino como a "sensibilidade", a delicadeza ou afinidade com as artes mas de modo algum experimentam a violência de serem tratados como portadores de útero por exemplo.

Seja tratando dos aspectos da sexualidade ou de aspectos do gênero, um fator é inescapável e indiscutível:
 Todo ser que foi socializado como homem tem duas características que podem e devem vetar sua voz ativa no feminismo:
 1. Não sofreu na pele a socialização feminina, consequentemente não sofreu na pele a opressão feminina nas primeiras fases da vida e sua anatomia o impede de experimentar diversas opressões subsequentes, as mais relevantes
 2. Mulher que ele conhece é mulher pelo discurso do opressor, do portador de pênis, do macho, e ele se identifica com esse discurso, não com a realidade da vivência oprimida da mulher
Esses dois fatores em conjunto com o que disse acima garantem que essa pessoa possa ver a feminilidade como algo desejável (e de fato pra ele é, já que é homem) e não como opressão, e dificultam imensamente que ele possa compreender o terror de se submeter a mulher à feminilidade.

Essas pessoas estarão mais preocupadas com a própria identidade do que com o sofrimento das mulheres e possivelmente racionalizarão para entender a feminilidade como algo desejável amenizando MUITO o discurso das opressões que as mulheres sofrem, porque, novamente, pra ele é desejável logo nunca será tratado por ele como algo inerentemente opressivo, ofensivo ou desprezível.

Se essas pessoas tiverem voz ativa no feminismo há grandes chances de que as opressões mais profundas que as mulheres sofrem, justamente aquelas que a "mulher trans" não sofreu, ou seja, aquelas específicas do desenvolvimento infantil como mulher (fundadoras da personalidade e do ser como um todo) e da anatomia e fisiologia feminina sejam deixadas de lado, isso, na melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses pode levar a uma celebração do feminino imposto pelo patriarcado como algo desejável e até mesmo pauta do feminismo.

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