terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O Peso do Mundo

As mulheres carregam, muito injustamente, o peso do mundo.

É difícil saber de onde começar a falar disso, creio que na nossa sociedade seria apropriado começar por Eva, a maldita que enganou Adão trazendo o pecado ao mundo. E a extra oficial Lilith que rebelde acabou por se relacionar com demônios servindo as trevas. Ou seja, quer na servidão ou na rebeldia a culpa é da mulher. Mas não tem figura mais representante da mulher do que a mãe, mãe de todos. De Gaia e "Maria Mãe de Deus" até a monstruosa e assustadora mãe freudiana.

Mulher é mãe dos filhos, dos parceiros e até dos pais. É mãe da primeira boneca e mãe até da enfermeira que cuida dela na velhice, ela se responsabiliza, ela se preocupa, ela se pré-culpa.A mulher é preocupada com tudo e é pré-culpada de tudo. E esse peso minha socialização masculina nunca vai carregar. Por isso respeitarei sempre a dor das pessoas que são socializadas como mulher, minha disforia reconhece o peso que carregam e sente vergonha.

Não importa quanto tempo eu esteja apoiando o feminismo nunca deixo de me assustar com os relatos pessoais de como as meninas sentem que é culpa delas, não importa o que, sempre é. "É porque sou muito burra", "sou feia", "sou idiota", "sou um nada", "sou incompetente", "sou incapaz", "sou fútil"... sempre culpa de Eva, nunca de Adão.
O falo na cultura falocentrica se assemelha a uma varinha mágica capaz de gerar ilusões poderosíssimas, indistinguíveis da realidade (não é mesmo Solanas?). De alguma forma os homens detentores de todos os privilégios não são responsáveis pelo que ocorre de errado mas as mulheres em tudo oprimidas são...como?

Se o namoro falha, se ocorre traição, se acontece violência, se tem agressão, se tem estupro, se falta dinheiro, se a criança é mal criada, se tem doença... tudo é culpa da mãe. Mãe-mãe, mãe-filha, mãe-namorada, mãe-amiga, mãe-irmã. Os eternos homens-bebê sempre deixam toda a responsabilidade de suas existências nas eternas mulheres-mãe. Essa ilusão precisa ser quebrada. E isso tudo é claro um dos motivos de eu insistir que mulher não seja mãe no feminismo, não acolha a tudo e a todos, faz parte do processo de se libertar ela desenvolver essa capacidade de olhar pra ela como objeto de própria atenção e do próprio cuidado. Pais, maridos, namorados, filhos e "trans mulheres" mexem com essa culpa-materna-eterna-constante.

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que explorar essa culpa nas mulheres, que mexer com os sentimentos delas pra fazer com que se sintam responsáveis e culpadas estará servindo ao patriarcado. Não há circunstância onde reivindicar que a mulher atue como mãe-de-todos ou mãe-do-mundo não seja opressivo e pró-patriarcado. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que fale em libertação da mulher deve falar em primeiro lugar de libertá-la dessa "maldição de Eva", da culpa primordial, de estar sempre em último lugar, de se contentar com a inexistência, de ser figurante em sua própria história, enfim, de ser mãe do mundo.

Isso é muito central na luta de libertação, é provavelmente o pilar principal do patriarcado (ou o cristianismo não exploraria isso com tanta intensidade, Evas, Liliths [extra oficialmente] e Marias [mães e prostitutamente madalenas]). Não se existe golpe maior para o patriarcado do que a mulher se negar a ser mãe do mundo.

O homem branco sim é pai desse sistema nojento, nascido da mitose das suas células mais cancerígenas, e se alguém tem que limpar essa bagunça é ele. Que culpa seja imputada a quem é devida.

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