As mulheres carregam, muito injustamente, o peso do mundo.
É
difícil saber de onde começar a falar disso, creio que na nossa
sociedade seria apropriado começar por Eva, a maldita que enganou Adão
trazendo o pecado ao mundo. E a extra oficial Lilith que rebelde acabou
por se relacionar com demônios servindo as trevas. Ou seja, quer na
servidão ou na rebeldia a culpa é da mulher. Mas não tem figura mais
representante da mulher do que a mãe, mãe de todos. De Gaia e "Maria Mãe
de Deus" até a monstruosa e assustadora mãe freudiana.
Mulher é
mãe dos filhos, dos parceiros e até dos pais. É mãe da primeira boneca e
mãe até da enfermeira que cuida dela na velhice, ela se responsabiliza,
ela se preocupa, ela se pré-culpa.A mulher é preocupada com tudo e
é pré-culpada de tudo. E esse peso minha socialização masculina nunca
vai carregar. Por isso respeitarei sempre a dor das pessoas que são
socializadas como mulher, minha disforia reconhece o peso que carregam e
sente vergonha.
Não importa quanto tempo eu esteja apoiando o
feminismo nunca deixo de me assustar com os relatos pessoais de como as
meninas sentem que é culpa delas, não importa o que, sempre é. "É porque
sou muito burra", "sou feia", "sou idiota", "sou um nada", "sou
incompetente", "sou incapaz", "sou fútil"... sempre culpa de Eva, nunca
de Adão.
O falo na cultura falocentrica se assemelha a uma
varinha mágica capaz de gerar ilusões poderosíssimas, indistinguíveis da
realidade (não é mesmo Solanas?). De alguma forma os homens detentores
de todos os privilégios não são responsáveis pelo que ocorre de errado
mas as mulheres em tudo oprimidas são...como?
Se o namoro falha,
se ocorre traição, se acontece violência, se tem agressão, se tem
estupro, se falta dinheiro, se a criança é mal criada, se tem doença...
tudo é culpa da mãe. Mãe-mãe, mãe-filha, mãe-namorada, mãe-amiga,
mãe-irmã. Os eternos homens-bebê sempre deixam toda a responsabilidade
de suas existências nas eternas mulheres-mãe. Essa ilusão precisa ser quebrada. E isso tudo é claro um dos motivos de eu insistir que mulher não seja
mãe no feminismo, não acolha a tudo e a todos, faz parte do processo de
se libertar ela desenvolver essa capacidade de olhar pra ela como objeto
de própria atenção e do próprio cuidado. Pais, maridos, namorados,
filhos e "trans mulheres" mexem com essa culpa-materna-eterna-constante.
Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que explorar essa culpa nas
mulheres, que mexer com os sentimentos delas pra fazer com que se
sintam responsáveis e culpadas estará servindo ao patriarcado. Não há
circunstância onde reivindicar que a mulher atue como mãe-de-todos ou
mãe-do-mundo não seja opressivo e pró-patriarcado. Qualquer pessoa ou
grupo de pessoas que fale em libertação da mulher deve falar em primeiro
lugar de libertá-la dessa "maldição de Eva", da culpa primordial, de
estar sempre em último lugar, de se contentar com a inexistência, de ser
figurante em sua própria história, enfim, de ser mãe do mundo.
Isso é muito central na luta de libertação, é provavelmente o pilar
principal do patriarcado (ou o cristianismo não exploraria isso com
tanta intensidade, Evas, Liliths [extra oficialmente] e Marias [mães e
prostitutamente madalenas]). Não se existe golpe maior para o
patriarcado do que a mulher se negar a ser mãe do mundo.
O homem
branco sim é pai desse sistema nojento, nascido da mitose das suas
células mais cancerígenas, e se alguém tem que limpar essa bagunça é
ele. Que culpa seja imputada a quem é devida.
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